sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Adeus "Sr. Carlos"

Sentada no escritório onde tenho a minha empresa sediada atualmente, numa pacata rua de Benfica, olho pela janela da loja que ocupo no rés-do-chão e vejo um cortejo fúnebre a passar.

Hoje faleceu o "Sr. Carlos".
Faleceu de repente e viveu toda a vida nesta rua que, numa parte ínfima, considero também como minha há mais de 1 ano e meio.
Não conhecia o "Sr. Carlos" mas na manhã de hoje não se falava de outra coisa nos cafés e estabelecimentos de uma rua que, afinal, não é minha mas sim das pessoas que a habitam há anos e que partilham a solidão de envelhecer, sozinhas, numa pacata rua de Benfica, em Lisboa.
Todos se foram despedir do "Sr. Carlos" percorrendo a rua que percorrem diariamente mas, desta vez, atrás de um carro fúnebre, caminhando pelo meio da estrada.

Este cortejo integrava todas as pessoas que passam pela loja / escritório todos os dias.
Muitas já nos conhecem também como parte integrante deste bairro.
Param na loja para nos cumprimentar. Questionam-se sobre o tipo de negócio que temos, estranhando não ser outro tipo de serviço qualquer.
"Ó menina, mas o que fazem aqui?"
"Temos uma empresa que se dedica ao trabalho com música, músicos, bandas, eventos, etc..."
"Ahhhh ok. Mas a mim dava-me mesmo jeito era uma peixaria", lamenta uma das senhoras que todos os dias nos bate no vidro da loja.
E que todos os dias nos prova que está viva. E bem.

Tenho pensado muito em formas de tornar a vida destes idosos, no mínimo, um pouco menos solitária. Certamente, não sairei de Benfica sem desenvolver algum tipo de ação que os envolva e lhes dê uma sensação de acompanhamento, realização e bem-estar que só o contacto com outros seres humanos lhes poderá trazer.
Mas isto não se resolve com "uma ação". Ajudava um plano mais alargado e concreto sendo que eu nem sei por onde começar.

Até lá, tenho a porta da loja aberta para a vida que acontece neste pacato bairro onde as pessoas compram pão fresco na padaria, tomam o café na pastelaria de sempre, compram os jornais do dia e preparam as refeições diárias com produtos frescos. Na "minha" loja terão sempre um sorriso e uma porta aberta para que quando partirem, como o "Sr. Carlos", seja menos vazio. Ou quero eu pensar que sim...

Além da chuva e vento que têm assolado Lisboa durante o dia de hoje, 22 de novembro de 2019, o dia também ficou mais triste porque o bairro perdeu o "Sr. Carlos".